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sábado, 21 de novembro de 2009

-" A Cabeça do Polvo "

O sistema judicial português enfrenta o imenso desafio de não deixar que o Face Oculta se torne numa segunda Casa Pia.
Até aqui o processo tem tido um avanço modelar. Não houve interferências políticas. Lopes da Mota não veio de Bruxelas discutir com os seus pares metodologias de arquivamento e, no que foi uma excelente janela de oportunidade de afirmação de independência, não havia sequer Ministro da Justiça na altura em que o País soube da enormidade do que se estava a passar no mundo da sucata.
Mas, há ainda um perturbante sinal de identidade com a Casa Pia. É que o único detido, até aqui, é o equivalente ao Bibi e Manuel Godinho, o sucateiro, no mundo da alta finança política não pode ser muito mais do que Carlos Silvino foi no mundo da pedofilia. Ambos serviram amos exigentes, impiedosos e conhecedores que tentaram, e tentam, manter a face oculta.
É preciso ter em mente que as empresas públicas são organizações complexas. Foram concebidas para ser complicadas. Com os tempos foram-se tornando cada vez mais sinuosas.
Nas EPs, as tecnoestruturas, que Kenneth Galbraith identificou e descreveu como o cancro das grandes organizações, ocupam tudo e têm-se multiplicado, imunes a qualquer conceito de racionalidade democrática, num universo onde não conta o bom senso ou a lógica de produtividade. Parecem ter um único fim: servirem-se a si próprias. Realmente já não são fiscalizáveis. Nas zonas onde era possível algum controlo foram-se inventando compartimentos labirínticos para o neutralizar, com centros de custos onde se lançam verbas no pretexto teórico de elaborar contabilidades analíticas, mas cujo efeito prático é tornar impenetráveis os circuitos por onde se esvai o dinheiro público. Há sempre mais um campo a preencher em formulários reinventados constantemente onde as rubricas de gente que de facto é inimputável são necessárias para manter os monstros a funcionar.
Sem controlo eficaz, nas empresas públicas é possível roubar tudo. Uma resma de papel A4, uma caneta BIC, um milhão de Euros, uma auto-estrada ou uma ponte. Tudo isto já foi feito. Por isso mais de metade do produto do trabalho dos portugueses está a fugir por esse mundo soturno que muito poucos dominam.
Por causa disso, grande parte do património nacional é já propriedade dos conglomerados político-financeiros que hoje controlam o País. Por tudo isto é inconcebível que Manuel Godinho tenha sido o cérebro do polvo que durante anos esteve infiltrado nas maiores empresas do Estado. Ele nunca teria conhecimentos técnicos para o conseguir ser. Houve quem o mandasse fazer o que fez. Godinho saberá subornar com de sacos de cimento um Guarda-republicano corrupto ou disfarçar com lixo fedorento resíduos ferrosos roubados (pags 8241 e 8244 do despacho judicial). Saberá roubar fio de cobre e carris de caminho de ferro. Mas Godinho não é mais do que um executor empenhado e bem pago de uma quadrilha de altos executivos, conhecedores do sistema e das suas vulnerabilidades, que mandou nele.
É preciso ir aos responsáveis pelas empresas públicas e aos ministérios que as tutelam. Nas finanças públicas, Manuel Godinho não é mais do que um Carlos Silvino da sucata.
Se se deixar instalar a ideia de que ele é o centro de toda a culpa e que morto este bicho está morta esta peçonha, as faces continuarão ocultas. E a verdade também.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

- O dia 11 de Novembro e as Forças Armadas"

O dia 11 de Novembro está ligado a dois acontecimentos da história de Portugal que não podem ser ignorados. As datas de 11 de Novembro de 1918 e de 11 de Novembro de 1975.
Apesar de as separem 57 anos, em ambas, as Forças Armadas tiveram um papel de relevo.

Em 11 de Novembro de 1918, foi assinado o armistício que pôs fim à I Guerra Mundial, na qual Portugal decidiu participar para garantir, em caso de vitória, que teria assento na futura conferência onde seriam discutidas as sanções de guerra que, inevitavelmente, iriam abranger as colónias alemãs e redesenhar o mapa colonial africano.
Foi uma decisão que demonstrou elevado discernimento político, ao prever que se os ingleses saíssem vitoriosos não deixariam de tentar deitar a mão às colónias portuguesas.
A posse das colónias ficou garantida e o Exército comportou-se de forma exemplar.

Em 11 de Novembro de 1975, aconteceu tudo exactamente ao contrário !
Angola deixou de ser território português e as Forças Armadas, depois de terem cumprido o seu dever de forma exemplar ao longo de 14 anos de guerra, tiveram um comportamento vergonhoso nos meses que antecederam a independência.

Embora estes acontecimentos estejam em extremos opostos na escala de valores há, porém, um acontecimento que os une.
Nos últimos anos, em todos os dias 11 de Novembro realizam-se cerimónias, ao longo de Portugal inteiro, em homenagem aos combatentes mortos na I Guerra Mundial, organizadas por militares e com larga participação das Forças Armadas.
Embora a intenção seja a melhor, estas cerimónias, se bem as analisarmos, constituem um acto de cinismo atroz.
Como é possível umas Forças Armadas que ainda têm nas suas fileiras, ou a elas ligados, responsáveis participantes na vergonhosa descolonização, terem o desplante de homenagear militares que morreram para defenderem o que os homenageantes anos mais tarde traíriam ?...
Dirão que “não é uma nuvem que faz a tempestade”, “que em todos os rebanhos há uma ovelha ranhosa”, “que é necessário separar o trigo do joio” ( ! ) …pois é !...
É exactamente isso que falta fazer !...
As Forças Armadas se querem recuperar o prestígio que sempre tiveram e que, sem dúvida, perderam em 1975, terão de se depurar a elas próprias.
Não é com uma campanha de marketing, como o general Loureiro dos Santos ainda há pouco afirmou num programa de televisão, que as Forças Armadas poderão recuperar o respeito da sociedade civil. É levando a julgamento todos os implicados e responsáveis pelos desvarios, pelos actos de covardia, pelas traições, pelo abandono dos seus compatriotas, que as Forças Armadas poderão recuperar o respeito dos portugueses.
Não é necessário fazer uma lista com os nomes daqueles que deveriam ser levados a tribunal, para serem ilibados ou condenados, porque são do domínio público. Desde dois presidentes da República, a dois alto-comissários, ao comandante do Coplad, ao comandante da Polícia Militar e a muitos outros que facilmente serão identificados, todos deverão ser chamados a prestar contas das suas actuações.
Mas há um nome que sobressai de entre todos os protagonistas desta tragédia, pela forma vergonhosa e descarada como permitiu que o MPLA dominasse as FA e imperasse em Luanda, dando cobertura a muitos dos crimes que aquele movimento cometeu : o então alto-comissário almirante Rosa Coutinho, apelidado de “almirante vermelho”.
Ao desembarque de milhares de militares cubanos, às prisões efectuadas pela Polícia Militar e pelos Fusileiros entregando os presos ao MPLA, pelas prisões feitas pelo MPLA com a conivência da Polícia Judiciária, pela subserviência ao MPLA a que obrigou muitos militares, e pela forma ignóbil como traiu a população branca, este militar deveria ser o primeiro a ser responsabilizado pelos vergonhosos acontecimentos de Angola.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

-" Os Intocáveis "


O processo Face Oculta deu-me, finalmente, resposta à pergunta que fiz ao ministro da Presidência Pedro Silva Pereira - se no sector do Estado que lhe estava confiado havia ambiente para trocas de favores por dinheiro. Pedro Silva Pereira respondeu-me na altura que a minha pergunta era insultuosa.
Agora, o despacho judicial que descreve a rede de corrupção que abrange o mundo da sucata, executivos da alta finança e agentes do Estado, responde-me ao que Silva Pereira fugiu: Que sim. Havia esse ambiente. E diz mais. Diz que continua a haver.
A brilhante investigação do Ministério Público e da Polícia Judiciária de Aveiro revela um universo de roubalheira demasiado gritante para ser encoberto por segredos de justiça.
O país tem de saber de tudo porque por cada sucateiro que dá um Mercedes topo de gama a um agente do Estado há 50 famílias desempregadas.
É dinheiro público que paga concursos viciados, subornos e sinecuras.
Com a lentidão da Justiça e a panóplia de artifícios dilatórios à disposição dos advogados, os silêncios dão aos criminosos tempo. Tempo para que os delitos caiam no esquecimento e a prática de crimes na habituação. Foi para isso que o primeiro-ministro contribuiu quando, questionado sobre a Face Oculta, respondeu: "O Senhor jornalista devia saber que eu não comento processos judiciais em curso (…)". O "Senhor jornalista" provavelmente já sabia, mas se calhar julgava que Sócrates tinha mudado neste mandato.
Armando Vara é seu camarada de partido, seu amigo, foi seu colega de governo e seu companheiro de carteira nessa escola de saber que era a Universidade Independente. Licenciaram-se os dois nas ciências lá disponíveis quase na mesma altura. Mas sobretudo, Vara geria (de facto ainda gere) milhões em dinheiros públicos. Por esses, Sócrates tem de responder. Tal como tem de responder pelos valores do património nacional que lhe foram e ainda estão confiados e que à força de milhões de libras esterlinas podem ter sido lesados no Freeport.
Face ao que (felizmente) já se sabe sobre as redes de corrupção em Portugal, um chefe de Governo não se pode refugiar no "no comment" a que a Justiça supostamente o obriga, porque a Justiça não o obriga a nada disso. Pelo contrário. Exige-lhe que fale. Que diga que estas práticas não podem ser toleradas e que dê conta do que está a fazer para lhes pôr um fim.
Declarações idênticas de não-comentário têm sido produzidas pelo presidente Cavaco Silva sobre o Freeport, sobre Lopes da Mota, sobre o BPN, sobre a SLN, sobre Dias Loureiro, sobre Oliveira Costa e tudo o mais que tem lançado dúvidas sobre a lisura da nossa vida pública. Estes silêncios que variam entre o ameaçador, o irónico e o cínico, estão a dar ao país uma mensagem clara:
os agentes do Estado protegem-se uns aos outros com silêncios cúmplices sempre que um deles é apanhado com as calças na mão (ou sem elas) violando crianças da Casa Pia, roubando carris para vender na sucata, viabilizando centros comerciais em cima de reservas naturais, comprando habilitações para preencher os vazios humanísticos que a aculturação deixou em aberto ou aceitando acções não cotadas de uma qualquer obscuridade empresarial que rendem 147,5% ao ano.
Lida cá fora a mensagem traduz-se na simplicidade brutal do mais interiorizado conceito em Portugal:
nos grandes ninguém toca.

(Fonte: JN de 2 do corrente )